Espelhos e devaneios: se eu tivesse que falar de amor
Sempre que sento pra escrever acabo falando de amor. Dessa vez hesitei em deixar as palavras fluírem, é cansativo sempre falar das mesmas coisas e perder sempre a esperança de uma mudança para melhor. No entanto, entre a insegurança de crescer e a descoberta do olhar para si, a falta de amor também é algo que pesa em nós, jovens adultas nascidas nos anos 2000.
Crescemos sonhando com romances. Vimos isso nos filmes que passavam na Sessão da Tarde, nos livros que eventualmente caiam em nossas mãos. Não sei bem como é que começou, mas em algum momento da minha adolescência eu aceitei que talvez nunca fosse viver algo assim.
Nunca recebi nenhuma cartinha de amor.
Faz uns três dias que abro esse arquivo e fico olhando o cursor piscar perdido na página.
No final de semana passado fomos tirar as fotos do ensaio de formatura. Quando a maquiadora tirou o pincel da minha cara e disse que eu já podia me olhar no espelho, tremi. Pensei se eu enfrentava aquilo ali mesmo ou se esperava chegar em casa para passar pelo estranhamento que eu sabia que viria. Mas a Ana estava no quarto com a gente, e achei que seria mais vulnerável mostrar para elas que eu não queria me ver no espelho. Aí olhei.
E não me reconheci.
Acho que a primeira vez que comprei maquiagem foi em 2020, quando consegui meu primeiro emprego. Antes disso, sempre dependia dos meus pais para comprar as coisas que eu queria e precisava, e eles me criaram deixando claro o quanto o nosso dinheiro era suado e precioso. Então eu nunca pedi nada a não ser que realmente precisasse. E maquiagem não era uma dessas coisas.
Como resultado, passei a minha adolescência inteira me acostumando com as imperfeições do meu rosto. Não aprendi a amá-lo mas pelo menos conseguia fingir que não me incomodava.
Acho que pulei algumas partes. Mas você só precisa saber que minha adolescência foi bem conturbada nesse sentido e que foram anos até eu conseguir me ver como uma das bonitas (ainda que bem lá no fundo eu não tenha tanta certeza disso).
E o que isso tem a ver com amor? Resposta: Absolutamente tudo!
Marquei um trecho de Eu sei porque o pássaro canta na gaiola, da Maya Angelou, que expressa bem algo que sempre pensei.
Se as bonitas sofriam a expectativa de fazer o sacrifício supremo para ‘pertencerem’, o que a mulher não atraente podia fazer? Ela, que vinha pela periferia da mudança na vida sem nunca mudar, tinha que estar preparada para ser ‘uma boa amiga’ de dia e talvez à noite. Só lhe era requisitado ser generosa se as garotas bonitas não estivessem disponíveis.Acredito que a maioria das garotas comuns é virtuosa por causa da escassez de oportunidades para serem diferentes. Elas se protegem em uma aura de indisponibilidade (pela qual depois de um tempo começam a ganhar crédito) mais como defesa do que como tática.
Eu li isso e fiquei pensando: “Cara, é sobre mim!”. Sendo a filha dos meus pais (se você sabe, você sabe!), eu sempre fui a menina mais inocente e certinha de todos os meus círculos de amizade. Mas a verdade não é bem o que parece. Eu não era certinha, só era feia!
Quando a Angelou escreve isso, ela descreve uma experiência que toda garota “feia” provavelmente já vivenciou. Desprezada durante toda a adolescência — que é quando os hormônios afloram e você começa a desejar ser notada pelos crushes, a mulher não atraente adota a postura de “não estou sendo rejeitada, só não estou a fim”. E se você é como eu, tem o bônus: “não tenho namorado porque quero focar nos estudos”. Que piada.
Daí você acorda um dia e tem 21 anos. O seu corpo ainda não é daqueles que faz todo mundo na rua parar para te ver, mas você olha no espelho e descobre que seu rosto até que é bonitinho. Só que a adolescência acabou há tempos, e enquanto todo mundo vivia os primeiros amores e primeiros tudo, você se trancava no quarto com um livro do tamanho de uma Bíblia.
Tenho 21 agora. Ontem fui dormir às três da manhã, pensando em como finalizar esse texto. Senti uma coceirinha nos dedos e um frio na barriga. Fiquei me revirando na cama e até o Meia-noite reclamou.
Em Brand New City, a Mitski canta “But if I gave up on being pretty I wouldn’t know how to be alive”— Mas se eu desistisse de ser bonita, eu não saberia como é estar viva. Eu costumava me identificar bastante com esse trecho, só que hoje em dia é o contrário, fico me perguntando se existe sentido em querer ser bonita o tempo todo. Abro o aplicativo do Instagram e do TikTok e todas as blogueiras fashion girlies estão publicando milhares de conteúdos te ensinando a ser mais esteticamente atraente, mas esse conteúdo não me alcança mais como antes. Como elas não se cansam de estar sempre em busca de um padrão inalcançável, só possível se você tiver muito dinheiro? Eu só quero dias tranquilos e habitar em segurança no refúgio do meu quarto. Também nem sei mais se quero entregar meu coração para alguém, apesar de querer um romancinho às vezes porque ninguém é de ferro, né? Acho que me acostumei a ser só e não sei se saberia viver de uma outra forma.
Não ter sido uma das bonitas na adolescência afetou bastante como me sinto sobre relacionamentos românticos hoje em dia. A pergunta que sempre me faço é: “sou Muito ace ou só sou Muito Insegura? Não sei. Talvez daqui a uns anos eu descubra a resposta.
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