Uma Pérola em focinho de porco


Assim como a Kálita, também nunca fui muito fã de filmes de terror. Tudo começou quando meus vizinhos adolescentes resolveram se reunir na casa de um deles para assistir A Casa de Cera (2005). Era uma noite esquisita de um ano que não me lembro bem. Nós, as crianças da rua, resolvemos entrar de penetra no rolê e saímos de lá traumatizados. Na frente da casa onde vimos o filme, existia um matagal mal iluminado e, diziam as outras crianças, assombrado. Anos depois, aquele terreno baldio viria a abrigar a casa do meu avô, mas, naquela noite, era um lugar que eu queria evitar até pensar sobre.

Depois disso, evitei ver filmes de terror o resto da minha infância e adolescência. Até que veio a pandemia. Logo que anunciaram o filme Pânico 5, comecei a ser bombardeada de informações, fotos e cenas dos primeiros filmes da franquia. Até que, eventualmente, não pude resistir aos charmes do Ghostface e resolvi maratonar as aventuras de Sidney Prescott antes da estreia do novo filme. 

Nem preciso dizer que me apaixonei pelo gênero slasher. Ao contrário de filmes de terror com acontecimentos sobrenaturais, assistir as mortes horríveis e as vítimas fugindo de psicopatas assustadores é até divertido. É o que sempre digo: você sempre pode matar um homem, mas dar fim a uma freira demoníaca com centenas de anos é um pouco mais difícil.

Dos filmes de terror que assisti desde a estreia de Pânico 5, o que mais me marcou foi, com toda a certeza, X – A Marca da Morte. O filme é da A24, companhia independente especializada na produção de filmes e séries de TV como Midsommar e Euphoria, os dois exemplos mais famosos de seu sucesso enquanto empresa. Escrito e dirigido por Ti West, X conta a história de um grupo de pessoas que se reúnem para produzir um filme pornográfico na fazenda de um casal de idosos, na zona rural do Texas, mas acabam ameaçados por um assassino improvável. 

A final girl Maxine Minx, estrelada por Mia Goth, conquistou o coração do público com sua frase de efeito e seu look perfeito para se tornar fantasia de Halloween, mas foi a Pearl, também encarnada por Mia Goth, que me ganhou. 

Pearl, a velhinha assassina de X, ganhou uma prequel que leva o seu nome para explicar suas tendências assassinas do primeiro filme. Em Pearl, o desejo ardente de se tornar uma dançarina famosa leva a protagonista a executar atos de violência contra seus próprios pais.

Com a estética Technicolor dos filmes antigos da Disney, Pearl é mais melodrama que terror, à medida em que descobrimos a profundidade do sonho da protagonista e vivenciamos com ela as situações que a fizeram se sentir solitária e aprisionada naquela fazenda.

Quase metade do filme já havia se passado e eu não conseguia enxergar o que havia de supostamente errado com a Pearl. Eu conseguia até me identificar com ela. Apenas uma garota com desejos maiores que ela e a vontade de fugir de casa e ganhar o mundo.

Foi o monólogo da Pearl, quase no final do filme, que fez eu me enxergar ainda mais na personagem (tirando a parte de ser uma assassina, óbvio!). 

Pearl confessa dolorosamente sentir inveja do marido pela família e pela casa perfeita que ele abandonou e que ela sempre quis ter. E quando ela fala sobre o medo das pessoas a conhecerem profundamente, sobre ter gostado de fazer coisas ruins, eu achei que ela estava falando comigo.

“I want what they have so badly, to be perfect, to be loved from as many people as possible to make up for all my time spent suffering”

Ela é apenas mais uma garota que não cabia na família tradicional e religiosa, e que desprezava um futuro como mulher de fazendeiro. Eu também poderia ser uma Pearl mas me faltam as tendências assassinas, graças a Deus.

Acho que muitas mulheres subversivas vão se identificar com as protagonistas de X e Pearl. E no final, elas estão mesmo certas: nós não deveríamos aceitar uma vida que não merecemos.


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