O que eu e Sísifo temos em comum, e a romantização da vida


Comunicado: a autora desse texto tem conhecimento limitado sobre o livro e teoria abordados e vive cronicamente online

Quando tento lembrar como passei o ano de 2022 um branco me vem à cabeça. Eu não poderia descrever o que aconteceu naqueles 365 dias nem com uma arma apontada para a cabeça. Mas acho que isso não é verdade. A verdade é que eu sei exatamente como passei todos os dias, todas as semanas, eu sei o que fiz todos aqueles dias. Eu comi, eu bebi, eu dormi, eu li, eu assisti, eu passei por dias tristes, pensei em desistir, eu fiz o mesmo que fiz em 2021 e 2020 e todos os outros anos. Eu vivi. Mas eu não aproveitei nada.

Lembra daquelas aulas de filosofia em que você não prestava atenção em muita coisa, mas mesmo assim tem coisas gravadas na cabeça porque o subconsciente é um mistério? Mesmo sem querer eu tenho gravado em minha mente as histórias de Prometeu, Atlas e Sísifo. De uma forma ou de outra os três representam o mesmo conceito para mim, a mesmice de todos os dias. Penso em Sísifo condenado ao mesmo trabalho todos os dias, apenas para começar do zero assim que chega ao topo. Preso a rotina e a certeza de que mesmo com todo o avanço, ele sempre estará no mesmo lugar. Deprimente, para dizer o óbvio. Mas na maioria do tempo é assim que me sinto, vivendo o mesmo padrão todos os dias que quando percebo nem um se difere do outro. Um mês é igual ao outro e anos se misturam ao ponto de não haver começo, meio e final. Antes (talvez ainda) eu achava que viver assim era uma maldição, um castigo assim como o de Sísifo, como que viver a mesma coisa todos os dias sem nenhum propósito claro pode trazer alguma satisfação? Assim que se começa a ver a vida como uma obrigação é difícil tirar algum proveito desses dias.

O engraçado é que nunca gostei de quem vê o copo d’água meio vazio, mas meu copo não só estava meio vazio como eu me afogava em alguns centímetros de água. Por alguma razão (o algoritmo das redes sociais) eu comecei a ver alguns conteúdos que celebravam a vida. Um estranho sorrindo para você, um dia chuvoso ou ensolarado, uma joaninha, qualquer coisa pode ser celebrada, era o que diziam esses posts e vídeos.

Albert Camus escreveu que Sísifo poderia ter sido muito feliz, mesmo condenado a carregar sua pedra. Não, eu não li O Mito de Sísifo, mas tente me perdoar. O que Camus quis dizer é que nessa mesmice infinita e busca incessante por um propósito é impossível não se cansar, em algum ponto tudo parecerá sem sentido. E ao invés de desistir ele aconselha a rebeldia. E aí que nada importa e que estamos fadados ao mesmo destino? Essa mesma vida que é tediosa pode ser a própria razão para que tudo faça sentido. Estou soando brega, mas foi ele quem começou. O absurdismo também é descrito como um conflito entre coisas contrárias e com essa teoria tendo raízes no existencialismo chega a ser engraçado.

Mas por mais piegas que seja, acho que achar felicidade nas pequenas coisas é mais sério do que eu e você possamos imaginar. Todas aquelas pessoas falando para romantizar a vida, talvez elas estejam certas. É claro que ter brincado com um cachorro não tem o poder de eliminar coisas ruins que acontecem, mas se isso torna a dor da vida mais suportável, quem somos nós para julgar? No final acho que o quero dizer é que nossa existência pode parecer insignificante, mas é uma insignificância incrível. E talvez o que escrevi hoje esteja numa direção totalmente diferente do que fiz a poucos dias, mas não é essa a beleza de existir? Ser absurdo.

(Descanse em paz, Albert Camus, você teria sido uma youtuber maravilhosa)

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